Monday, November 29, 2010

GALERIA CRISTINA GUERRA . JUAN ARAUJO . LISBOA


LA SILLA DEL DIABLO
JUAN ARAUJO

26 Novembro a 8 Janeiro
Inauguração 25 Novembro | 22h

GALERIA CRISTINA GUERRA
Rua Santo António à Estrela, 33
1350-291 Lisboa I Portugal
www.cristinaguerra.com
T +[351] 213 959 559
F +[351] 213 959 567

TEXTO OFICIAL DA GALERIA CRISTINA GUERRA
SOBRE A MOSTRA LA SILLA DEL DIABLO


Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. (….) Tupi, or not tupi that is the question. (…) Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade. (… ) A alegria é a prova dos nove.

Oswald de Andrade, Manifesto Antrofágico (Excerto) , 1928



O lugar tropical no qual o diabo se senta


As imagens de Juan Araujo (Caracas, 1971) são uma profunda reflexão sobre a relação pintura-arquitectura que se expressa, frequentemente, através dos binómios ficção/realidade; bidimensionalidade/tridimensionalidade e imaterialidade/materialização. O seu jogo de associações, no entanto, não se esgota por aqui. Como material de trabalho Araujo utiliza registos que servem de intermediários entre as duas formas artísticas tais como reproduções de livros, fotografias digitais ou impressas, entre outros, constituindo um arquivo de obras fundamentais da História da Arte, à semelhança de um verdadeiro Museu Imaginário e que vão desde obras de grandes arquitectos (sobretudo sul americanos tais como Niemeyer, Acayaba e Barragan) a artistas plásticos (Alejandro Otero, Geraldo de Barros, Kandinsky, Calder, entre outros). Podemos, assim, afirmar que cada uma das suas obras é uma espécie de hipertexto.


Para além de uma reflexão sobre o sistema artístico nas suas variantes, trata-se de, então, de uma meditação sobre a reprodutibilidade e, em última instância, sobre o lado simulacral e o estatuto actual da imagem. Neste aspecto, Araujo aproxima-se de Marcel Duchamp no conceito do ready made que, no entanto, ultrapassa com a recriação em pintura. Não obstantes as referências externas, à primeira vista, o observador (incauto) pode percepcionar nas suas imagens um registo quase pessoal, numa atitude de diário gráfico de lugares percorridos que não deixam de ter uma certa ressonância “literária”. Esta qualidade misteriosa coloca-o perto de um realismo quase fantástico no sentido de deixar em aberto as possíveis interpretações, lançando a dúvida sobre o que se visiona.

As pinturas de Juan Araujo tratam-se, igualmente, de uma homenagem à forma como a globalização, enquanto movimento universal, se revela menos uniformizadora do que o idealmente pretendido. Os seus trabalhos são um hino à arquitectura latino americana e à maneira como esta, singelamente, interpreta aquele que foi um verdadeiro movimento internacional, carregado de uma utopia humanista: o Modernismo. O título desta exposição dá-nos, claramente, pistas sobre esta questão. La Silla del Diablo, é uma cadeira desenhada por Alexander Calder que homenageia Carlos Villanueva, a rquitecto venezuelano que projectou a Cidade Universitária de Caracas, em 1954, propondo, para esta uma síntese das artes, uma Gesamtkunstwerk, convocando, para o efeito, artistas desde Calder, Arp, Vasarely, ent re outros nomes do panorama artístico moderno internacional. Esta referência é uma metáfora para a obra de Araujo que é, igualmente, a tentativa através da pintura, da construção de uma obra total e é, simultaneamente, uma reflexão sobre a utopia falhada de um modernismo que invadiu a rural Venezuela para uso da ditadura vigente. Por último, esta peça é, igualmente, a introdução de uma forma geométrica num contexto natural biodiverso, aparentemente antagónico, trazendo à superfície as especificidades da arte do continente sul-americano: quente, exuberante, emotiva, intuitiva, contrariando, assim a racionalidade da disciplina do design modernista e, sobretudo, ocidental. Todavia, o funcionalismo desta cadeira é duvidoso por si próprio, dando a sensação de algum desconforto ou mesmo do perigo de queda, desviando a atenção da sua desejável ergonomia para a sua evidente estética ou, se quisermos, para a sua falha enquanto objecto funcional.

Talvez seja mal aplicado na obra de Araujo o conceito de Tropicalismo, mas torna-se fundamental para entender o espírito das suas imagens. Enquanto movimento cultural, desenvolvido no Brasil, o tropicalismo foi um grito de revolta contra a influência externa, embora dela se apropriando. Esta questão ficou bem expressa naquilo que Oswald Andrade chamou de Movimento Antropofágico, que deglutia tudo o que provia da cultura exportada pelas potências tais como a Europa e os EUA e a regurgitava após a mesma ser mesclada com a cultura popular e a identidade nacional, o que ajudava a definir esta última como heterogénea, diversa, mestiça e híbrida. Neste movimento, nos pequenos ou alter modernismos (Borriaud), as formas divulgadas pela suposta universalidade norte-americana e europeia são apropriadas de forma particular pelos países que as acolhem, conjugando-as. É talvez devido a este factor que Araujo coloca em diálogo obras de Kandinsky com os jardins de Marx, ent re outros exemplos nesta exposição.

O lado tropical, exótico, do mundo deixa, assim e actualmente, de olhar com falta de confiança para os países outrora colonizadores e são estes que, ao invés, perdem a sua força e anseiam por uma renovação que lhes traga vida, da mesma forma que Araujo traz novo alento à arquitectura (ou a sua reprodução) através da pintura, humanizando-a.

Carla de Ultra Mendes










A publicação deste post, e também de outras postagens sobre a arte contemporânea no cenário de Lisboa, é parte das atividades de Nicholas Petrus no registro e divulgação da arte contemporânea de Portugal para o projeto Panorama Brasil em Movimento.

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